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Cultura

O MANGUINHO 75 – 16 DE MARÇO DE 2023

Brincar faz bem à Saúde

“Agradecemos à equipe do PMA da Vice-Presidência de Pesquisa e Coleções Biológicas da Fiocruz por acreditar e apoiar o projeto.” (Modos de Brincar)
Desenho de Matheus Piter Motta Pereira.

Em Manguinhos, há crianças e adolescentes que cuidam de outras crianças. No período de ausência dos responsáveis que saem para trabalhar, irmãs mais velhas tomam conta dos menores. E ao cuidar dos irmãos, em muitos casos, elas também cuidam das crianças dos vizinhos em troca de uma pequena remuneração. Ao ter que cuidar das crianças, as irmãs e irmãos mais velhos perdem sua liberdade, seu tempo livre e deixam de brincar. Essa situação de responsabilização precoce tem sido observada por profissionais de educação que trabalham em unidades educacionais do território e é um dos fatores que ajudam a entender a evasão escolar e o baixo rendimento escolar em territórios vulnerabilizados.

Com o objetivo de valorizar a criança e sua interação com a família e responsáveis, surge o projeto atual “Modos de brincar e de cuidar de crianças entre camadas populares no contexto da pandemia de Covid-19”, coordenado por Liane Silveira e por Simone Assis, ambas pesquisadoras do CLAVES, o Centro Latino-Americano de Estudos de Violência e Saúde Jorge Careli. “Modos de Brincar” parte do princípio que brincar é essencial à saúde e agrega um trabalho de pesquisa ao trabalho que já era desenvolvido há vários anos pelo psicólogo Eugênio Carlos Lacerda, do Centro de Saúde Escola.

O projeto que busca mapear os modos de brincar e de cuidar de crianças, é realizado com as crianças acompanhadas por seus responsáveis. Ele conta com uma integrada equipe de trabalho de campo orquestrada por várias pessoas com diferentes saberes: antropologia, psicologia, comunicação e museologia. Acontece semanalmente no pátio do Centro de Saúde Escola Germano Sinval Faria, da ENSP.

Brincar e desenvolvimento

A gente conversou com a Maria José Silva Dias, que é moradora de Manguinhos e mãe de duas crianças que participam do projeto:

“Bom dia, sou mãe do Cristopher e da Nathally e gostaria de falar um pouquinho deles depois da participação do projeto. Eles faziam muita coisa errada. Por exemplo, na escola, ele não prestava mais atenção. Mais o Chris, o Christopher, né? Não prestava atenção muito. Era muito disperso. E depois que ele começou a participar de um tempo para cá ele já começou a prestar atenção, já começou a fazer as coisas mais certas, porque fazia tudo errado. Ele era nervoso pra caramba até. Só que depois ele começou a se concentrar mais nas coisas, se concentrar no que ele fazia, e a Nathally também. Esse projeto é bom. Eu aconselho às mães que têm os seus filhos com esse tipo de problema, que não prestam atenção na escola, que são hiperativos. Esse projeto ensina muito as crianças a ter um pouquinho mais de atenção nas coisas, um pouquinho mais de atenção em si, porque as crianças precisam ter atenção em si. Esse projeto acaba dando a essa oportunidade para criança fazer isso. Para mim foi muito bom porque eu tive esse exemplo dentro de casa que foram eles.”

O Cristopher e a Nathally são os filhos da Maria José. Eles também quiseram falar com a gente:

“Meu nome é Nathally e tenho 9 anos. Eu participo do projeto Modos de brincar. Lá eu aprendo muita coisa, lá muito legal e também mudou na minha vida algumas coisas. Eu tô mais ligada nas coisas e também eu estou mais esperta na matemática e tô usando muito mais a cabeça.”

“Meu nome é Christopher e tenho 9 anos. Eu participo do projeto Modo de brincar. Lá é muito legal. Lá mudou muitas coisas que eu passava na escola. Eu brigava, eu não controlava minha raiva. Como eu ia pra lá todo dia, eu agora aprendi a controlar a minha raiva. Lá é muito legal.”

Achou interessante o projeto? Converse sobre ele com sua equipe de saúde da família e com a escola. Brincar em casa, na escola e no Centro de Saúde é tudo a mesma coisa? Por quê? Que tal conversar sobre isso em nosso grupo de WhatsApp?

O MANGUINHO 71 – 02 DE FEVEREIRO DE 2023

Poeta de Manguinhos nas escolas

Celeste Estrela nas escolas

Celeste Estrela numa atividade de poesia, contação de histórias e brincadeiras, no EDI Dr Antônio Fernandes Figueira, em Manguinhos. Foto: Publicada em 17 de novembro – Instagram de Celeste Estrela.

Você sabia que em Manguinhos mora uma poeta importante e que os seus livros são usados nas escolas do território? Celeste Estrela é o nome dela, que também é atriz, compositora, rapper e integrante da Escola de Samba Unidos de Manguinhos. Ela tem 83 anos e mora em Manguinhos há mais de 40. É autora do livro Coroação Preta, de 2019, que publicou aos 79 anos e que tem prefácio de Conceição Evaristo.

Celeste é mineira e chegou quando era criança à cidade do Rio de Janeiro, com apenas 13 anos. A poeta teve uma infância sofrida e pobre. Sua avó trabalhava como catadora de café e Celeste se lembra de dormir com os irmãos sobre as sacas do grão. Com o falecimento da avó, sua mãe veio para o Rio com o irmão, mas ela ficou em Minas, porque os patrões da avó não deixaram que ela viesse. Estudou em colégio interno. Um momento de sua vida que ela diz guardar boas e más lembranças. Mas ao ser trazida para o Rio de Janeiro, para a favela do Caju, deixou de estudar:

“E chegando aqui no Rio foi tudo diferente. Conheci minha mãe quando tinha já 13 anos. Simplesmente me enfiaram numa casa de família e não consegui nada, não estudei mais. Mas depois que passou tudo, com o tempo, trabalhando em lugar melhor eu consegui realizar meus sonhos. Eu Comunidade de Práticas Intersetorial Manguinhos clique aqui para fazer parte. Acesse todas edições do O Manguinho clicando aqui. sempre gostei de poesias e de repente me vi escrevendo.”

As primeiras poesias

Sua primeira poesia publicada em livro é de 1986, na antologia Nova Poesia Brasileira. O incentivo e a colaboração para escrever um livro veio da seus amigos integrantes do Sarau de Manguinhos. O financiamento do livro só foi possível por conta de uma vaquinha, que contou com a ajuda de muitos amigos e conhecidos.

Ao ser perguntada sobre como a sua produção poética ajudaria na promoção da vida e da saúde em Manguinhos, Celeste Estrela enfatiza que o reconhecimento por parte dos moradores que uma moradora de Manguinhos escreveu um livro e que esse livro é utilizado nas escolas do território é algo muito importante:

“Eu encontro muita criança que ri pra mim com aquele sorriso largo e fala assim: tia, eu estou estudando o teu livro. Teu livro tem lá na minha escola. Eu estou fazendo dever com o teu livro. Ai uma senhora falou assim: eu fiquei tão feliz quando eu peguei o livro com a professora e era o livro da senhora. Mas é muito difícil pra entrar na minha cabeça. E cada um fala uma coisa. Igual aí na Fiocruz também que eles estão dando matéria com o meu livro, nas aulas de português.”

Coroação Preta

Coroação Preta é composto de prosas e poesias. Intercalando memórias e lembranças de sua vida, da infância à vida Este informativo é financiado com recursos públicos: FIOCRUZ e Emenda Parlamentar N° 202041600014 adulta. A autora também fala de acontecimentos históricos, de ancestralidade e de empoderamento feminino.

Madrugada vida favela

Madrugada triste na favela/ Sem batuque, sem cheiro de panela/ Sigo sempre a caminhar/ Passo a passo, sem ninguém me incomodar/ Levo susto, mas que chato/ É o barulho do sapato/ No telhado o gato mia/ Seu olhar me arrepia/ Afinal chego na pista/ No trabalho o tempo passa/ A coragem me arrasta/ Mas quando chego à tarde na favela/ Tem batuque e tem cheiro de panela/Sigo sempre a caminhar/ Vou sorrindo disfarçando meu cansaço/ Eu vejo a filha da vizinha fritar peixe na cozinha/ Molecada joga bola/ Seu José toca viola/ Chego em casa, que alegria/ Tudo bem com a família/ Bato papo com a vizinha/ Vou pra casa descansar/ Porque amanhã é outro dia.

Que outros livros, vídeos, músicas etc, criados por moradores do Complexo de Favelas de Manguinhos, poderia ser utilizado como material educativo nas unidades escolares desse território? Responda clicando no link do nosso grupo no WhatsApp e contribua para motivar os alunos para os estudos.

Coroação Preta: Celeste Estrela

O MANGUINHO 58 – 29 DE SETEMBRO DE 2022

Arte e cultura em Manguinhos

Arte e cultura em Manguinhos

Clique sobre a imagem para acessar o catálogo. Foto: Mulheres do Vento.

O Manguinho dessa semana convida você leitor a participar do lançamento do catálogo “Estratégias culturais em Manguinhos: olhares sobre o cuidado em saúde mental e o protagonismo de moradores de favelas”, organizado por Ana Paula Guljor, Silvia Monnerat, Paul Heritage e Paulo Amarante. O evento será na próxima quarta-feira, às 10h, dia 5 de outubro, na Biblioteca Parque de Manguinhos. O catálogo é resultado do projeto “Estratégias culturais como alternativas de inclusão social de populações vulnerabilizadas no campo das políticas públicas sobre saúde mental: estudo de caso na comunidade de Manguinhos”, e foi desenvolvido em parceria entre a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), Fundação Getúlio Vargas (FGV) e People’s Palace Projects, da Queen Mary University of London (QMUL). O projeto tem como objetivo “compreender experiências socioculturais, interpretando-as como dispositivos privilegiados de cuidado, inclusão social e construção de direitos.”

Um total de 40 iniciativas foram selecionadas no catálogo. Segundo seus organizadores “a participação em projetos de arte e cultura ou em experiências voltadas para profissionalização, trabalho, economia solidária ou a participação social se apresenta como estratégia fundamental para a produção de vida e saúde em comunidade.”

Durante a pesquisa, no início desse ano, três sessões de conversas virtuais ao vivo com representantes dos coletivos e das iniciativas culturais mapeadas foram feitas. Destacamos aqui nessa edição trechos dessas conversas como um convite para que conheçam o catálogo, assistam essas conversas e interajam no território com os coletivos.

Revalorizar experiências

Para Paulo Amarante, que é médico psiquiatra, doutor em Saúde Pública e pesquisador da Fiocruz, as pessoas se desvalorizam porque usam o critério do dominador. Por isso considera importante a revalorização das experiências nas favelas:

“Nosso projeto é o quê? Ver essa questão das experiências culturais, desses projetos, dessa iniciativa, desses coletivos comunitários com outro olhar; que amplia o valor dessas experiências para a comunidade construindo vida, construindo cultura de paz, cultura de solidariedade, [continência] para as pessoas. Essa é a nossa visão de saúde mental. Que está muito reduzida hoje ao oposto de doença mental, ou até sinônimo de doença mental. A pessoa fala: “a minha saúde mental está bem”. Por quê? Por que não têm transtorno? E o sofrimento, ou talvez um transtorno nesse sentido genérico do termo, é natural do humano. Nós precisamos do sofrimento e do transtorno inclusive para mudar, para querer mudar etc.”

Franciele Campos, artista visual, historiadora da arte, moradora de Manguinhos e uma das fundadoras do Coletivo Mulheres do Vento, iniciativa que está presente no catálogo, destaca as dificuldades de reconhecimento das produções e conhecimento produzido nas favelas:

“O que esses projetos trazem pra gente de fato? Porque a gente está aqui dividindo um saber que é muito caro pra gente, a nossa vida. A gente aqui tem uma ideia de produzir um catálogo virtual com fotos e histórias, mas mais que isso é construir também uma rede que não existia. Não é nós, nós nos conhecemos, o que não conhecemos são essas instituições que há muitos anos vem contando a nossa história. Há muitos anos vem sugando, tirando nossas histórias sem trazer o mínimo retorno pra gente. Sem nos ver como pesquisadores, sabedores dessa história, sobreviventes de um sistema altamente racista.”

Valentina Carranza, comunicadora social e também uma das fundadoras do Coletivo Mulheres do Vento, ao responder uma pergunta sobre a sustentabilidade das públicas em Manguinhos disse o seguinte:

“Sobre a questão dos editais, que são magros, esporádicos… eles também geram concorrências entre a gente, não é? (…) Pensar nisso também: políticas públicas com financiamentos reais. Além de dar bolsas, que venham dispostas a escutar. Providenciar recursos, mas confiar, construir com quem já está fazendo. (…) Entender essa complexidade: projetos com estruturas para bancar várias estratégias que já estão rolando e deixar eles fazerem. Sabe?”

E você? O que acha? Atividades culturais e construções coletivas fazem bem para a saúde? As escolas, as unidades de saúde e de assistência social podem contribuir para avançarmos mais nessa caminhada em Manguinhos? Como? Que tal trocar uma ideia sobre isso no nosso grupo de WhatsApp?

Sessões de conversa do catálogo Estratégias Culturais de Manguinhos