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O MANGUINHO 49 – 28 DE JULHO DE 2022

Que futuro espera Manguinhos?

Escrevendo cartas para as crianças do futuro – Escola Municipal Professora Maria de Cerqueira e Silva.

No dia 12 de julho às 10h da manhã chegou no grupo de WhatsApp do O Manguinho a primeira notícia sobre um tiroteio que matou 8 jovens moradores de Manguinhos. Foi um dia tenso e intenso de mensagens sobre isso. Entre as muitas mensagens de indignação expressadas por várias pessoas no grupo trazemos aqui um trecho do desabafo feito por Isabel Jennerjahn, a partir do qual rolou uma conversa que tem tudo a ver com os objetivos que buscamos alcançar com O Manguinho e com a Rádio Povo. Reproduzimos abaixo parte desse diálogo:

Isabel: “Isso é histórico. O que hoje paga o policial para ir nas favelas matar? O que pagou no passado os capitães do mato para caçar os negros quando eles fugiam das senzalas, dos senhores? O que mata: é o policial, o capitão do mato ou a forma como a sociedade está estruturada? E o mais grave ainda é que tem uma justificativa na imprensa, e que muitas vezes nós que somos de dentro das favelas, negros, nordestinos, oprimidos concordamos com isso. Existem formas e formas de enfrentar. A gente tem que descobrir essa fórmula química de poder enfrentar essa grande indústria da morte que foi instaurada historicamente nas nossas vidas e que a gente sem querer, por medo, aceita. A gente tem que transformar esse medo em coragem e pensar juntos numa forma de mudar isso.”

Renata: “Verdade Bel e não esquecendo que essas pessoas que são executadas deixam aqui mães, familiares doentes na alma, com seu psicológico abalado em depressão, isso também é caso de saúde pública.”

Isabel: “Sim, com certeza! Tem um monte de gente ganhando com as nossas dores! Com os casos emblemáticos nas favelas, com a miséria na África e com as guerras entre os países! Eu já perdi tantas companheiras na luta por direito à vida. As mães de Acari, mães do Caju, mães da Baixada, entre outras!”

Mercês: “Pois é amiga, essas dores vêm desde os navios negreiros que trouxeram para o Brasil mães e filhos separados para sempre. Separados, mas igualmente explorados e descartados quando não são mais “úteis” para os donos do mundo. Exploração e descarte que continuam até hoje.”

Isabel: “E hoje, a favela continua sendo o navio negreiro que continua recebendo os migrantes nordestinos e africanos! O problema que temos que mudar nossas atitudes! Não podemos só pensar no amanhã, temos que ter estratégias nos três pontos. Emergenciais, a médio e longo prazo!”

Zeulaci: ‘Nossa! Acho que sempre tive esse sentimento, da favela ser esse navio.”

Mercês: “Bel, seu desabafo me faz compartilhar aqui uma experiência: No ano de 2009, em um trabalho de colaboração do Museu da Vida com escolas públicas de Manguinhos, um menino de 7 anos de idade, morador do Mandela em Manguinhos aluno da Escola Municipal Professora Maria de Cerqueira e Silva escreveu, em uma carta para crianças do futuro, a seguinte frase:

“Querido amiguinho do futuro espero que você goste de minha cartinha e quero dizer que o futuro de vocês seja melhor que o meu porque o meu não é bom, mas é bem ruim! Quero que vocês cuidem da natureza, do futuro e do meio ambiente e que façam o mundo de vocês um paraíso, bem melhor que o meu e que vocês sejam muito felizes”.

Não lembro o nome desse menino, mas lembro bem de que essa frase dele fez com que a escola decidisse passar o ano seguinte todo realizando um projeto que fosse capaz de trazer para seus alunos a esperança de um futuro melhor. Eles passaram o ano de 2010 inteiro estudando a História da África e da luta do Mandela. No final deste ano em um seminário no Museu da Vida/ Fiocruz a Coordenadora Pedagógica dessa escola (a professora Solange Lacorte) nos contou que na conclusão do projeto os alunos decidiram fazer uma passeata na Leopoldo Bulhões levando cartazes feitos por eles com as suas reivindicações. E ela disse, sem conseguir conter as lágrimas: “Eles pareciam uns mandelinhas”.

A pergunta que deixamos aqui é: Será que poderia ser maior o efeito desse projeto na construção de melhores perspectivas de futuro se ele fosse feito não apenas por uma escola e sim por uma colaboração entre todas as escolas de Manguinhos (incluindo as da Fiocruz), as unidades de saúde, unidades da assistência social e o Museu da Vida? Que tal tentarmos algo assim? Será que O Manguinho e a Rádio Povo podem ajudar nisso? Participe do nosso grupo de WhatsApp.