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O MANGUINHO 57 – 22 DE SETEMBRO DE 2022

Audiovisual nas escolas

Todos nós que passamos por uma escola lembramos das aulas e dos exercícios de interpretação de texto. Interpretar um texto é mais do que saber o que está escrito. Interpretar significa compreender o sentido do texto que está sendo lido, ou seja, pensar e refletir criticamente a partir da leitura. E, desse modo, criar uma opinião própria. A gente não fez essa pesquisa, mas podemos apostar que muitos educadores das unidades escolares de Manguinhos apontariam que um grande desafio que enfrentam em sala de aula está ligado à dificuldade dos alunos com o exercício de interpretação.
A gente está fazendo referência até aqui ao texto escrito, mas você sabia que as imagens também podem ser interpretadas? Você já parou pra pensar que uma fotografia pode estar dizendo mais coisas do que estamos vendo? E que diferentes pessoas podem ler uma fotografia de diferentes formas? Que imagens estão historicamente ligadas às favelas? Como interpretá-las e criar outras novas de forma crítica?

O audiovisual nas escolas

Na Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio, que fica em Manguinhos, na Fiocruz, existe uma disciplina ofertada aos alunos que se dedica exclusivamente à produção audiovisual. Para o professor-pesquisador dessa unidade escolar, Gregório Galvão de Albuquerque, a produção de filmes e vídeos no espaço escolar possibilita que os alunos expressem de forma crítica a sua própria realidade.

“Eu vejo o audiovisual e a produção estudantil dessa forma: os alunos falam sobre bullying, sobre sexualidade, sobre o cotidiano escolar porque vivem isso. Então, ao mesmo tempo que eles estão produzindo sobre isso eles estão colocando em questão e produzindo conhecimentos sobre essas coisas que atingem eles no cotidiano escolar e particular deles. Eu acho extremamente interessante a produção audiovisual. A gente tem uma questão de estudo do que é a imagem, através de séries, de cineclubes, de filmes, mas ao mesmo tempo é muito importante a produção do estudante, a produção de vídeos pelos estudantes.”

Identidades

Muitos exemplos dessa produção estudantil da Escola Politécnica podem ser encontrados no canal do youtube da escola. Destacamos aqui o documentário feito pelos alunos da Educação de Jovens e Adultos, em 2013, intitulado Identidades. Nesse filme podemos assistir diferentes relatos dos jovens e adultos que frequentavam o EJA e falaram sobre o lugar onde nasceram, dos estudos, da infância e de seus desejos e sonhos. Selecionamos aqui dois depoimentos. Quando perguntado sobre o lugar que mora, um jovem aluno respondeu:

“Eu gosto, é o lugar onde eu nasci e espero continuar por aqui, entendeu? Eu já morei em outro lugar mas não consegui viver lá não, preferi voltar pra cá. A melhor coisa que tem são as pessoas que foram nascidas e criadas comigo, meus vizinhos que me respeitam muito. Dependendo das circunstâncias e da situação eu sei que eu posso contar com muitos deles que estão próximos de mim. Não só na ocasião de olhar a minha filha, mas se eu precisar de um dinheiro ou de um conselho, estão sempre de pé ali pra me atender, entendeu? E muitas coisas que eu nem sei explicar de bom que tem ali e se gante falar entre nós vamos até ouvir, mas lá fora nêgo vai querer dar risada da nossa pessoa.”

Uma outra aluna falou das difiuldades que enfrentava para estudar na infância:

“Nasci no interior, não tinha escola, tinha maior vontade estudar, muita sede de estudar, gostava de estudar, mas não tive oportunidade, porque trabalhava na roça. Eu queria estudar, mas às vezes eu chegava da roça às 10h, mas 11h eu tinha que estar na escola, uma hora da tarde eu voltava, duas horas da tarde eu tinha que estar no roçado trabalhando porque meu pai faleceu quando eu era pequena e minha mãe ficou com dois filhos pra criar e a gente teve que se virar.”

O que fazer?

Infelizmente, nem todas as unidades escolares de Manguinhos possuem uma estrutura física e equipamentos para a produção de filmes e documentários, e nem possuem professores dedicados a essa finalidade. A escola pública do século XXI ainda é a mesma de décadas atrás e ainda assim muito precarizada. A oferta de uma educação visual que atinja todos soa como um sonho distante.
Diante desses desafios, o que fazer pra mudar essa realidade por meio da cooperação entre as unidades escolares e de saúde de Manguinhos?